O documentário “Chorão: Marginal Alado” mostra os lados carismático e problemático do cantor de “Vícios e virtudes”. Com ótima pesquisa de imagens, o carisma do artista morto em 2013 salta e ainda faz manobras de skate na tela.
O filme sobre o líder do Charlie Brown Jr. estreia nesta quinta-feira (8) nos cinemas e em streaming pago nas plataformas Now, Google Play, Apple TV, Vivo Play, Looke e Youtube.
O diretor Felipe Novaes usa um sensacional e farto acervo de imagens dos bastidores do cantor, cedido pela família. O acesso não foi por sorte, mas é resultado de anos de pesquisa, que inclui uma histórica entrevista com o baixista Champignon dias antes de sua morte, também em 2013.
Há cenas surpreendentes de Chorão, como uma conversa carinhosa com uma fã pela janela da van de turnê; conversas reveladoras, como o relato de uma ida ao hospital por problema com drogas antes da overdose; e falas incômodas, como a bronca em um produtor de show em um camarim.
O vício em cocaína também é tratado de forma franca e angustiante pelas pessoas que conviveram com ele nos dias próximos à overdose que o matou.
Pé atrás com os problemas
Mas, ao tentar explorar a série de problemas que o cantor teve com outros músicos, especialmente da própria banda, o filme esbarra no pé atrás de familiares e amigos, que repetem “personalidade forte”, “lado exigente”, “personalidade sensível” e outros eufemismos ao comentar cenas agressivas.
O filme não esconde cenas como a humilhação pública a que ele submeteu o baixista Champignon no meio de um show e a famosa cabeçada em Marcelo Camelo, dos Los Hermanos.
Chorão em imagem do documentário ‘Marginal alado’ — Foto: Divulgação
Mas os comentários sempre voltam no ponto de que aquela seria uma “carapaça” bruta que esconde um “lado sensível”, como diz a viúva, Graziela. O produtor Rick Bonadio chega a exaltar os episódios de agressão como “dignos de um rockstar”, e ao falar do caso com Camelo, diz que “roqueiro é assim”.
Um dos principais entrevistados do filme é literalmente advogado de Chorão: Maurício Cury, amigo de infância do cantor, que o defendeu na Justiça inclusive nas causas contra Camelo e Champignon.
O documentário percorre bem um caminho livre para entender bem a determinação e o papo direto que fizeram de Chorão o último grande ídolo do rock brasileiro.
Mas a bancada amigável que ajuda no retrato íntimo também dificulta colocar em foco a compreensão dos confrontos que Chorão criou.
Por que separou?
Fica obscuro um episódio crucial: quando Chorão trocou toda a formação da banda em 2005. Não há uma explicação clara além do sinal da dificuldade de dividir os holofotes quando o público canta “Champignon! Champignon!” e Chorão tenta mudar o coro para “Charlie Brown, Charlie Brown!”.
Há uma ótima entrevista com Champignon dias antes de ele morrer, mas o baixista se recusa a falar sobre a cena de humilhação no palco: “Tem várias coisas que ninguém sabe e provavelmente não vai saber e não vai conhecer, porque é nosso”. Não dá para culpar o diretor – era um limite impossível.
Mais cedo, Champignon conta que entrou na banda aos 12 anos, como protegido do adulto e ídolo Chorão. Parece haver ali um filme escondido – que provavelmente nunca será conhecido – sobre a relação de sucesso e violência entre dois artistas que morreram no mesmo ano.
No campo puramente musical, um programador de rádio diz que “ninguém cantava daquela maneira”. Mas o Charlie Brown foi uma manifestação tardia do skate rock e do funk metal já batidos na época. Era o oposto: muita gente cantava daquela maneira. O fenômeno merece uma análise mais profunda.
“Chorão: Marginal alado” é um documento rico sobre uma figura fascinante e cuja importância parece se manter e até aumentar oito anos após sua morte. Mostra de forma clara e íntima a sua ascensão com uma linguagem direta e dá boas pistas sobre quais eram os seus erros e limites.
O trem do Charlie Brown descarrilhou justo quando o rock perdeu muito da relevância que tinha por décadas no país. É importante entender as virtudes de Chorão. Mas mergulhar em suas falhas (além do “personalidade forte” e do “roqueiro é assim mesmo”) pode reforçar não só sua biografia, mas a história do rock brasileiro.
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