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Pitty celebra 20 anos de carreira no Lolla: ‘No começo era problemático lidar com tanta gente’
Neste ano, Priscilla Novaes Leone está comemorando os 20 anos de seu álbum de estreia, “Admirável Chip Novo”. Desde então, Pitty se tornou a maior roqueira em atividade no Brasil, com músicas que furaram a bolha do combalido pop rock brasileiro.
A data será comemorada em uma turnê que começa logo depois do Lollapalooza, festival em São Paulo no qual ela se apresenta no sábado, 25 de março. Será a terceira vez de Pitty no Lollapalooza, após um show solo em 2015 e outro como parte do duo Agridoce em 2013.
Em entrevista ao g1, cantora baiana de 45 anos relembrou o início da carreira com um som mais pesado e um fã-clube ainda em fase de crescimento. Ela falou ainda da relação complicada com a fama e dos bastidores da criação de sucessos como “Equalize” e “Me Adora”.
Abaixo, ouça o podcast e leia a entrevista com Pitty.
g1 – Seu primeiro EP solo, ‘Lado Z’, de 2003, tem cinco músicas em pouco mais de 13 minutos. Você já reouviu esse EP? Que impressão teve? O que lembra dessa fase mais hardcore?
Pitty – É difícil eu olhar e dar play nessas paradas. No momento que eu termino, eu já estou pensando na próxima coisa, então eu não costumo revisitar muito assim, sabe? Eu não costumo ter um saudosismo nem nada. Eu acho que vai chegar um momento de olhar para essa história até para poder entender o presente e o futuro, mas não rolou, não. É como se fosse outra vida mesmo. São várias vidas dentro de uma vida. Mas, enfim, faz sentido porque é o universo que eu vivia naquela época e é o que eu queria expressar naquele momento.
Pitty com os colegas da banda Inkoma, quando ela tinha 17 anos — Foto: Divulgação
g1 – Logo depois de você lançar o primeiro disco, eu vi seu show no Porão do Rock, em 2003, e você até tocava ‘Lovebuzz’, do Nirvana [a original é da banda holandesa Shocking Blue]. O que você lembra dessa fase, de perceber que você estava estourando, com cada vez mais fãs?
Pitty – Foi uma mistura de prazer com medo. Porque ao mesmo tempo que a sua audiência vai crescendo, a gente tem medo de se diluir, de perder um pouco aquilo ali que a gente tem de essência. A gente quer ficar preso a algo que já conhece, mas ao mesmo tempo tem mais e mais pessoas diferentes te ouvindo. E aí você vai revisitando a sua personalidade, os seus desejos o tempo todo, no afã de não se perder de quem você é, mas ao mesmo tempo de não se limitar, de não se privar. Você quer sair do gueto, abrir a porta e caminhar pelo mundo, né? Sem medo…
Eu sinto que ali naquela fase era bem isso, sabe? Uma coisa de dar aquele passo e daqui a pouco pensa: “Putz”. Segura um pouco e dá outro passo. Sempre tentando manter esta questão de “eu estou fazendo o que o que eu gosto?” Beleza, essas outras pessoas que estão chegando e agregando às vezes te cobram coisas que fazem parte do mainstream, de um mundo mais popular com qual você não está acostumado. E aí você vai se adequando. No começo para mim era bem problemático lidar com tanta gente assim. Sempre fui mais na minha.
Pitty canta no festival Porão do Rock 2003, em Brasília — Foto: Divulgação/Washington Ribeiro
Vou usar o exemplo do Porão: eu estava acostumada a ir para os shows e terminar o meu show e lá para frente curtir, ver as coisas das outras bandas, né? Normal. De repente, em algum momento da minha vida, isso se tornou não tão fácil como era antes… Mas aí você vai se adaptando. Eu procurei nunca deixar de fazer isso assim de ter essa experiência de ser plateia. Eu procurava desmistificar essa onda de estar no palco, tirar o culto a persona da frente. Isso é bem uma lição do hardcore, né? De trazer a igualdade, de quebrar essa questão da idolatria, de tentar trazer uma sensação de “tamo junto”. No final das contas, eu estou ali cantando, mas esse endeusamento não é saudável para que eu pudesse também continuar dialogando e vivendo com as pessoas.
g1 – Hoje, se você quer ir a show, como você faz? Você simplesmente vai? Às vezes, você deixa de ir sabendo que pode ser meio complicado, tem questão de fama?
Pitty – Depende né? Eu não gosto de incomodar, então eu não gosto de criar confusão, gosto de ficar na minha. Eu gosto de aparecer quando eu estou no palco, quando eu não estou, eu não faço questão de ser vista. Meu ego não passa por aí. É óbvio que eu gosto de que as pessoas conheçam o meu trabalho. Isso é maravilhoso, né? Quando alguém vem trocar ideia sobre como a música dialoga com a vida da daquela pessoa em particular, eu fico honrada, mas o meu ego não passa por essa coisa de querer ser vista. Pelo contrário… no dia a dia, eu gosto muito mais de ser voyeur, porque esse lugar de observadora me dá muito material para escrever.
Então, quando eu quero ir a um show que eu quero muito, eu vou. Às vezes, eu peço assim: “Tem um cantinho que eu possa ficar que eu não atrapalho, tem alguma área que seja mais tranquila e tal?” Aí beleza. Se não tiver, eu vou também. Não perdi o show do Black Sabbath por nada nessa minha vida! Fui lá, às vezes eu falava para a galera: “Ai gente, tá bom foto? Mas pô, vamos ver o show agora? Aquela coisa, né?”
Pitty em foto do álbum ‘Admirável Chip Novo’, de 2003 — Foto: Divulgação/Deckdisc
g1 – Estava olhando a lista das suas músicas mais tocadas no streaming, porque jornalista gosta muito de número, de ranking… e suas músicas mais ouvidas são ‘Equalize’ e ‘Na Sua Estante’. Você tem tanta música pesada e justamente duas das suas poucas baladas estão em primeiro e segundo lugar. O que você tira disso? O povo gosta de balada?
Pitty – Gosta. Mas eu acho que também são duas músicas que ficaram, se expandiram muito. Saíram muito da minha mão: no sentido de realmente as pessoas se apropriarem, de outros artistas se apropriarem. “Na Sua Estante” foi regravada por muitas bandas e artistas de estilos diferentes até de rock, sabe? “Equalize” marcou a fase de muita gente também.
g1 – Falando em ‘Equalize’, pegando ali nos números seu maior sucesso e em show a resposta até hoje é impressionante, como ela foi criada?
Pitty – O Nando [Reis, com quem Pitty saiu em turnê em 2022] estava ouvindo mais a fundo. Ele já conhecia o trampo, mas aí para a gente foi mergulhar mesmo no universo um do outro… e ele falou: “Cara, ‘Equalize’ é uma música linda”. Então, talvez seja só uma música bonita também, né? E eu repu… não repudiei, mas eu tive tanto medo dela no começo que eu falei: “Ah, meu Deus, eu quero que as pessoas ouçam as outras também, que não achem que é só isso”. E acho que esse objetivo eu consegui, porque as pessoas conheceram o meu trabalho através de “Máscara”, depois de “Admirável Chip Novo”. E “Equalize” só veio lá na frente, quando eu já tinha dito o que eu queria dizer a priori.
Pitty canta ‘Equalize’ no Festival de Inverno da Bahia, em 2018